Pedrógão Grande: dois meses depois...

16 ago 2017

Dois meses depois da tragédia de Pedrógão Grande, o Governo demonstra uma inércia preocupante perante centenas de pessoas que perderam tudo e assume uma obsessão pelo silenciamento que não é aceitável.

Esta quinta-feira, passam dois meses desde que o incêndio na zona de Pedrógão Grande, a 17 de junho, vitimou 64 pessoas e provocou uma destruição ímpar de floresta e bens materiais.

Passam dois meses e pouco foi feito para resolver as situações críticas, permanecendo ainda muitas perguntas sem resposta.

A desresponsabilização é a única preocupação do Governo. Passados dois meses, nem um pedido de desculpas foram capazes de fazer aos que, por colapso do Estado, viram perder tudo o que tinham.

Nestes dois meses tem sido patente a descoordenação e a desorientação do Governo. O esforço dos bombeiros tem sido ímpar, mas sempre que alguma coisa mais delicada ocorre é um exercício permanente de desresponsabilização e de passa-culpas de todos os membros do Governo.

Ao longo destes dois meses, poucas lições foram retiradas e o Estado continua a dar uma imagem de desespero na forma como não tem conseguido lidar com a tragédia de Pedrógão.

 

Inércia do Governo em contraponto com as propostas construtivas do PSD

O Presidente do PSD propôs de imediato ao primeiro-ministro que tomasse a iniciativa governamental de criar um mecanismo indemnizatório para garantir apoio às vítimas, sem que estas tivessem de enfrentar longas batalhas judiciais para receber essa certeza. De resto, uma iniciativa que outros governos tomaram perante tragédias semelhantes. Mas os dias passaram e o Governo manteve-se inerte, não tomando qualquer iniciativa para ressarcir as vítimas.

Entretanto, o País mobilizou-se numa onda de solidariedade que resultou na recolha de milhões de euros em donativos.

Aos portugueses, falta dar um esclarecimento sobre como serão distribuídos esses donativos que o País, mobilizado, enviou às vítimas de Pedrógão Grande.

Para memória futura fica ainda a demora do Governo no envio do pedido de ativação do Fundo Europeu de Solidariedade, que só chegou a Bruxelas um mês após a tragédia e uma semana depois de a própria Comissão Europeia ter anunciado que aguardava a solicitação de Portugal.

 

Comissão independente reúne só após o verão

A mesma inércia se registou quanto à comissão técnica independente que o PSD propôs ser criada no âmbito parlamentar, para se "proceder a uma avaliação independente em relação aos incêndios de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Ansião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos, Arganil, Góis, Penela, Pampilhosa da Serra, Oleiros e Sertã". Para o desempenho da missão, fazem parte das funções desta comissão "analisar e avaliar a atuação de todas as entidades do sistema de Proteção Civil e do dispositivo de combate de incêndios, dos sistemas de comunicações e informações e de serviços públicos relevantes".

Primeiro-ministro e ministra da Administração Interna manifestaram-se a favor da proposta social-democrata e a mensagem foi replicada por todo o aparelho governativo. Mas a verdade é a proposta inicial do PSD foi alterada e as conclusões da comissão só serão conhecidas após as autárquicas.


Proteção Civil: estruturas substituídas antes da época de incêndios

Dos vários pedidos de esclarecimento e relatórios solicitados pelo ministério da Administração Interna (MAI) resultaram informações que colocam a realidade em causa.

Uma semana depois da tragédia, a Secretaria-geral da Administração Interna acusou a Proteção Civil de ter demorado demasiado tempo a emitir o pedido para recuperação do sistema de comunicações, na sequência das falhas do SIRESP.

O MAI não explica, contudo, o motivo que levou à substituição de vários cargos nas estruturas da Autoridade Nacional da Proteção Civil meses antes do início da época crítica de incêndios, desde logo com a substituição de sete em oito lugares na estrutura de topo daquela entidade. A comunicação social deu conta de que foram substituídos ainda 20 dos 36 comandantes distritais, além de várias alterações subsequentes na estrutura da Proteção Civil, então justificadas como alterações estratégicas e de dinâmica da ANPC.

 

Um governo em permanente contradição

Do primeiro-ministro surgiram outras contradições. O secretário de Estado da Administração Interna fez saber que a EN236 foi fechada. "Uma das primeiras perguntas que fiz à Guarda Republicana foi se a via estava fechada. A Guarda Republicana informou-me que sim, que a via estava fechada", disse Jorge Gomes.

Por sua vez, o primeiro-ministro afirmou ter recebido informação contrária: "Que eu tenha conhecimento, não há nenhuma instrução específica para o encerramento daquela via e, como diz a GNR, não foi dada essa instrução pelo próprio comando da Guarda, pelos militares presentes no local e provavelmente pela Autoridade Nacional da Proteção Civil".

 

Relatórios há muitos

O início do mês de agosto chegou com a divulgação quase simultânea de um conjunto de relatórios sobre a tragédia. Coube à ministra da Administração Interna fazer a conferência de imprensa sobre as conclusões dos documentos, mas o momento serviu mais para dar lastro ao ataque à Portugal Telecom já iniciado pelo primeiro-ministro.

O volume de informação divulgado naquela conferência de imprensa foi criticado pelo presidente da Liga dos Bombeiros. “Não me parece muito sensato estar a dar conhecimento de algumas conclusões avulsas porque podem ter implicações na estabilidade necessária e independente de todos os que estão no terreno e têm responsabilidade de ainda fazer relatórios”, considerou Jaime Marta Soares.

Do Instituto de Telecomunicações chegou a confirmação de que existiram “faltas graves” no SIRESP com cortes prolongados. A informação surge depois de a ministra ter ensaiado a diferença semântica para justificar os problemas no funcionamento do SIRESP: “não houve uma falha total, houve intermitências porque a fibra ótica foi destruída pelo incêndio”.

Os relatórios deram ainda conhecimento da total descoordenação na resposta das entidades públicas à tragédia, da GNR à Proteção Civil. Descoordenação ilustrada, por exemplo, no facto de um bombeiro ferido ter demorado dez horas a chegar ao hospital, assunto para o qual o PSD já pediu esclarecimentos, sem sucesso.

A ministra da Administração Interna, que, como o primeiro-ministro, prometeu o apuramento de responsabilidades, continua sem apresentar soluções aos portugueses. A falta de transparência tem sido, aliás, apanágio da tutela na condução da resposta à tragédia.

Apesar de surgir a pedir respostas (enviando desde logo um conjunto de perguntas às entidades que o seu ministério da Administração Interna tutela e ignorando a própria ministra), o primeiro-ministro decidiu impor uma lei da rolha no terreno. O Governo centralizou na Proteção Civil em Lisboa todos os esclarecimentos, evitando que a comunicação social no terreno tivesse acesso a fontes oficiais e a falar diretamente com os bombeiros.

 

António Costa, o rosto do SIRESP

Nos seus tempos como ministro da Administração Interna, António Costa contratou o SIRESP como sistema de comunicações em emergência, mesmo depois de o Tribunal de Contas ter inviabilizado a proposta de contrato. O então responsável pela Administração Interna adjudicou aquela parceria público-privada sem lançar novo concurso.

Dez anos depois, perante a falência do sistema na resposta em Pedrógão Grande, o já primeiro-ministro começa por desvalorizar as falhas do SIRESP, considerando que foram “de menor relevância”. Semanas depois, na estratégia de passa-culpas que tem sido característica do seu governo, António Costa vem afinal dar dimensão às falhas do SIRESP responsabilizando a Portugal Telecom pelo “colapso do SIRESP”. O que antes eram falham de “menor relevância” transformaram-se, em semanas, no “colapso” do sistema que o próprio António Costa contratou.

Como ministro da Administração Interna, António Costa tinha toda uma visão diferente na reação às tragédias. Na época de incêndios de 2005, dizia: "Se há coisa a que sou alérgico na vida política é aos políticos que correm para as câmaras da televisão a rasgar as suas vestes e a chorar. Odeio. Nunca me verá a fazer essas figuras”. Como primeiro-ministro, a sua reação é outra: "Uma das coisas mais duras desta função é a habitualidade do convívio com a morte. No dia em que deixar de me emocionar com os fogos e com as tragédias humanas que estão associadas a esta função, devo deixá-la. Se estiver vacinado para a dor não vale a pena".

Se, no final, houver alguma responsabilidade, claro que teremos de tirar consequências”, disse António Costa sobre Pedrógão Grande. A dois meses de distância da tragédia, impõe-se a pergunta ao primeiro-ministro: quando é o fim? Quando chegarão as responsabilidades?