Mário Soares foi um político de uma dimensão invulgar. Com a sua morte, encerra-se um ciclo da história recente do nosso País. Com efeito, a sua acção como homem público influenciou decisivamente a resolução de três das questões mais relevantes do período iniciado logo após os primeiros dias festivos da revolução de Abril, e que durou até ao fim do sistema alternativo de governação entre o PS e o PSD.
Reporta-se a primeira à tentativa de tomada de poder pelos comunistas e pelos militares marxistas do FMA que os acompanharam. A sua lucidez e coragem políticas foram determinantes na salvaguarda das liberdades individuais, na instauração e preservação do pluralismo partidário e sindical e no garantir que o grande movimento de Abril se mantivesse democrático.
Outros líderes, como Sá Carneiro, convergiram nos mesmos esforços de Soares. No caso daquele, a doença e o afastamento de Portugal, a que por causa dela se viu forçado, e, depois, a sua morte prematura, impediram que aproveitasse todas as suas potencialidades. Muitos militares e civis participaram também no esforço popular que afastou o risco de eclosão de uma guerra civil eminente e permitiu a construção de um sistema político similar ao dos restantes Estados do Ocidente Europeu. Nessa grande luta pela liberdade e pela construção de democracia, Soares esteve sempre na vanguarda e na tomada das grandes decisões.
O segundo grande problema a resolver foi o da descolonização, matéria que dividiu e ainda divide grande número de portugueses.
A opção tomada pelos militares de terminar rapidamente e a todo o custo a guerra colonial, politicamente já insustentável, forçou a uma decisão sem demoras. Soares assumiu, também aí, um papel de liderança, procurando um futuro de convivência possível e necessária. A passagem do tempo capacitar-nos-á para fazermos um juízo mais sereno sobre o que foi positivo e sobre os erros cometidos. Todavia, Soares não se furtou às suas responsabilidades.
A terceira grande batalha de Mário Soares foi a da adesão de Portugal à Europa. A participação de pleno direito na política europeia como Estado-membro da União deu a Portugal a oportunidade de desempenhar um papel activo na vida internacional e abriu perspectivas de desenvolvimento que fizeram o nosso País dar um salto em frente e construir um projecto de futuro.
Para além destes momentos políticos fundamentais, como Primeiro-Ministro e nos seus dois mandatos como Presidente da República, o líder socialista evidenciou uma tolerância que evitou os excessos do laicismo e da partidarite da Primeira República. A sã convivência dos credos religiosos e a interacção moderada dos diferentes partidos constituíram bens preciosos que a ele muito devem.
Homem culto, não esqueceu haver na vida pública outras dimensões igualmente importantes, para além da do desenvolvimento económico. Nesse aspecto, também beneficiámos muito com as suas intervenções.
Tento tido razão nas ocasiões mais graves da vida portuguesa, não o acompanhei em muitas opções que tomou na sua longa carreira política, particularmente na sua fase final, a partir do governo Sócrates. Reconheci sempre, contudo, na sua personalidade rica e complexa, a grande virtude do respeito pela autonomia dos outros, e a vivência profunda dos valores da democracia, a que sempre foi fiel e a que muito sacrificou da sua vida pessoal e familiar.
Soares amou a sua Pátria e prestou-lhe grandes serviços. Com o seu desaparecimento, como já referi, sinto ter-se chegado ao fim de uma época, para a qual Soares deu uma enorme contribuição.
Rui Chancerelle de Machete
Nota: o autor escreve de acordo com o antigo acordo ortográfico.
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