A normalização da anormalidade

18 jan 2017

“Francisco Sá Carneiro sonhava com um país normal.” A frase, dita por António Pinto Leite por altura da evocação dos 30 anos sobre a morte do fundador do PPD/PSD, martela-me o raciocínio com insistência. É que 42 anos depois de Abril, temos a democracia, temos a Europa mas Portugal continua longe desse desígnio da normalidade. Especialmente no domínio do processo político-partidário.
Confesso que já não sei se o problema é meu ou dos outros. Mas, que raio, como é que uma parte do país está mais preocupada com o estilo de oposição do PSD do que com a desgoverno do PS e dos seus companheiros de viagem?
Há talvez duas explicações para isso.
A primeira explicação é que temos um governo que se define por oposição à oposição. A frente de esquerda existe mais por oposição a Pedro Passos Coelho e ao PSD do que por uma agenda própria. Repare-se que o próprio documento facilitador da união das esquerdas é um menu de reversões e revogações das medidas do anterior governo, acompanhadas pela reposição do estado de coisas pré-crise. A maioria negativa que se formou em 2015 só podia mesmo dar origem a um governo negativo.
A segunda explicação tem que ver com a liderança do PSD. Pedro Passos Coelho é o maior adversário ideológico de todos os que se colocam além do centro-esquerda moderado. Como líder do único partido social democrata no país, Pedro Passos Coelho representa ainda muitas das virtudes que os portugueses valorizam e que as lideranças das esquerdas tentam cultivar mas são incapazes de produzir: sentido de Estado, coragem na ação e resultados.  
Mas a frente anti-passista não acaba aqui. Defendendo uma agenda ideológica ou interesses corporativos saudosos da velha ordem, uma parte generosa da opinião publicada e dos políticos comentadores, achando-se intérpretes do espírito da nação, desistiram de esconder a sua parcialidade. Não que o PSD seja imune a críticas – que não é. Mas chegam a ser absurdos os exercícios de contorcionismo para em tudo encontrar razão para criticar o PSD.
Veja-se o caso mais recente da descida da TSU, em que chegámos ao ridículo de atacarem o PSD pela disfuncionalidade do arranjinho das esquerdas. Então António Costa dá baile à Concertação Social e inventa um acordo (uma ‘vaca que voa’ na ‘feira de gado’, para usar a terminologia socialista) que sabe desde a primeira hora que não pode cumprir, e a culpa é do PSD? Então o BE e o PCP querem comer a carne do lombo (fazendo chantagem com o valor do salário mínimo) sem ter de lhe roer os ossos (encontrar formas de financiar a medida), e a culpa é do PSD? Então o Governo que tem, afincada e zelosamente, recusado qualquer tentativa de negociação sobre os assuntos estruturantes do país, tem a lata de dizer que a culpa de não haver acordo é do PSD? 
Ou o PS acredita que os portugueses são demasiado tontos para comprar esta sua narrativa ou então o seu cinismo não tem limites. 
Se isto é a nova normalidade, então vivemos numa anormalidade permanente.
Triste, embora não surpreendente, é ver que alguns companheiros de partido a deixar-se capturar por este ‘ar do tempo’ em que todos somos convidados a ser felizes sem constrangimentos de qualquer espécie.
Faz-me lembrar uma música do meu tempo, de Bobby McFerrin, familiar a muitos leitores desta newsletter: ‘don’t worry, be happy.’
Com o governo que ia virar a página da austeridade, a economia crescerá menos do que com o anterior governo. Não apenas durante um ano, nem dois, mas sim três anos. O modelo económico socialista falhou estrondosamente, recuamos na prosperidade económica e criaram mais impostos. Mas do governo só ouvimos assobios para o ar: “Don’t worry, be happy”.
Em apenas um ano, os juros da dívida portuguesa aumentaram 50% e chegaram aos 4.2%, colocando enorme pressão sobre as finanças do país e fragilizando os portugueses perante crises potenciais. Eles, os socialistas, encolhem os ombros e sorriem: “Don’t worry, be happy”. 
A dívida pública está no alto mais alto de sempre e o investimento cai para o baixo mais baixo de sempre. O Estado Social está a ser desmantelado. Não há dinheiro para operações e tratamentos para milhares de portugueses que dependem do no nosso SNS, nem para despesas básicas como aquecimento ou segurança para os alunos das nossas escolas. Os transportes públicos estão uma desgraça. A Caixa Geral de Depósitos é uma trapalhada e o Novo Banco não lhe fica atrás. Mas o governo, incompetente a gerir um só banco público, quer nacionalizar outro. Mas a banda continua: ‘don’t worry, be happy’.
Com um ano de poder, já vimos que com este governo não vamos lá. A palavra dada – de mais progresso económico, de menos impostos, de mais estabilidade e de mais credibilidade – pode ser muita coisa, mas honrada é que não é. 
Com pouco mais para destruir, a coligação das esquerdas está esgotada. Sem estratégia, sem chão, as esquerdas trabalham para os votos e distribuem benesses pelos maiores sindicados de voto do país, criando a ideia de que tudo está bem na nossa “ilha” onde os amanhãs cantam.
Lamento informar, mas o PSD não vai em cantigas. Já nos vaticinaram a derrota muitas vezes, em muitos tempos distintos – diziam que não eramos capazes de fechar o ciclo da troika, e fechamos; diziam que não eramos capazes de por a economia a crescer, e, todavia, crescemos; diziam que não eramos capazes de ganhar as legislativas, e contra todas as expectativas ganhámos. Demos sempre a volta por cima.
A realidade e o povo encarregaram-se de nos dar razão. Porque até podemos não ser bons a dar música, mas não há ninguém que defenda Portugal como nós. Um país que sonhamos possa ser normal.

Carlos Carreiras 
Coordenador Autárquico Nacional do PSD