Mais vale tarde do que nunca

27 jan 2017

Em maio de 2015, o então Primeiro-ministro Pedro Passos Coelho propôs a criação de um Fundo Monetário Europeu (FME). Sabendo que a arquitetura institucional da zona euro não era ainda suficientemente adequada para as necessidades de uma união monetária com as características da nossa, a criação do FME apareceu como a resposta simultaneamente mais profunda e realista às lacunas que conhecemos. Precisávamos então, como precisamos hoje, de fortalecer a União Económica e Monetária para que a Europa possa voltar a ser um espaço de prosperidade partilhada e de oportunidades de crescimento sustentado para todos e cada um dos seus povos. Coletivamente, não teremos um grande futuro se uma parte da zona euro continuar a crescer enquanto outra parte se condena a uma estagnação perpétua. 

O FME corresponderia, assim, à passagem a uma segunda fase de reformas da moeda única em que passaríamos da soma e conjugação de regras comuns para a institucionalização de responsabilidades comuns circunscritas mas basilares. Forneceria finalmente uma contraparte económica à instituição que tem a seu cargo a política monetária, de modo a permitir uma coordenação entre, por assim dizer, a economia e a moeda que tem faltado à UEM.

Nessa proposta o FME teria três funções:

  1. absorveria o Mecanismo Europeu de Estabilidade, e ficaria encarregue do auxílio aos Estados com dificuldades financeiras temporárias, permitindo dispensar o FMI e o BCE do papel que têm desempenhado de escrutinadores dos programas de assistência;
  2. faria a gestão de programas de investimento europeu e de apoio a programas reformas estruturais nos Estados-membros que não tenham meios imediatos de as financiar, mas que produzem efeitos benéficos não só para eles, mas também para os restantes Estados-membros;
  3. teria a capacidade orçamental ao nível da zona euro, financiada por recursos próprios, para fazer face aos chamados choques idiossincráticos e assimétricos no seio da União Monetária, incorporando mecanismos com efeitos de estabilizadores automáticos como, por exemplo, a prestação parcial de subsídio de desemprego ou apoio a políticas ativas de emprego.

Com estas três funções, o FME seria finalmente a instituição económica contraparte do BCE e conferiria robustez económica, financeira e política à estabilidade do euro e à repartição dos seus benefícios por todos os Estados-membros. Ainda na mesma proposta, houve a preocupação de garantir que o escrutínio político desta nova instituição não seria descurado, o que convidava a uma opção pela sua chefia ser entregue ao presidente do Eurogrupo, que teria de assumir as suas funções em permanência, e não como hoje em que um Ministro das Finanças de um Estado-membro acumula com a de líder e representante do conselho que reúne os ministros das finanças de toda a zona euro.

Desde que o atual Governo PS foi empossado, o PSD tem persistentemente desafiado o Primeiro-ministro António Costa a fazer desta proposta uma política nacional para a reforma do euro. E invariavelmente encontrámos indiferença e até desdém. Foi, pois, com surpresa e até estupefação que ouvimos António Costa clamar pela criação do FME e até a apelar à urgência desta inovação. Confrontado com a inexistência de uma política europeia própria, António Costa decidiu apropriar-se da iniciativa de Pedro Passos Coelho. O governo perdeu, por isso, mais de um ano em busca de alianças curiosas com o Presidente Hollande e o Primeiro-ministro Alexis Tsipras, quando poderia com humildade e sentido de Estado optado pela continuidade da política europeia de Portugal.

Mas agora que avance na promoção da ideia. Convém, no entanto, que a compreenda na sua abrangência e na necessidade de concentrar as três funções acima descritas. A julgar pela intervenção que António Costa fez esta semana, quando deu a conhecer este seu novo direcionamento, não é claro que a tenha compreendido. Confiemos, porém, nas palavras sensatas do “mais vale tarde do que nunca”. 

 

Miguel Morgado

Vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD