Penélope não terá ficado para a história da mitologia grega pela fidelidade e amor dedicado a seu marido, Ulisses, mas antes pelo estratagema que encontrou de forma a adiar o mais possível um novo casamento pedido por seu pai face aos muitos anos de espera pelo regresso de Ulisses da Guerra de Tróia. Face aos inúmeros pretendentes, Penélope colocou a seu pai a condição de só casar quando terminasse de tecer um sudário que prometera a Laerte, pai de Ulisses. Mantendo a secreta esperança no regresso do herói, durante o dia e perante olhar de todos, Penélope tecia o sudário, mas à noite desmanchava-o quase por completo para voltar a tecer no dia seguinte.
A analogia com as políticas de educação só é válida pela tendência irresistível dos decisores políticos alternarem o “tecer” das políticas com o seu “desmanchar” sucessivo. Tudo para que no dia seguinte se volte a tecer com o mesmo linho e a mesma tecitura a que atribuem, por regra, um nome diferente sob o qualificativo de “política inovadora”.
Há um princípio em política de que não me afasto: se algo está mal, a primeira preocupação deverá ser a de corrigir e melhorar, só em último recurso, se deverá mudar, principalmente quando essa mudança implica começar tudo do princípio e com custos políticos, sociais e financeiros geralmente elevados.
O segundo princípio cada vez mais decisivo em políticas públicas: não basta gritar que está mal, há que demonstrar através de uma análise rigorosa e sistemática do problema em que é que está mal e como pode ser melhorado, ou mesmo mudado se para tal não encontrarmos remédio adequado.
O terceiro princípio prende-se com a necessidade de não transformar uma boa intenção, mesmo que devidamente fundamentada, numa má política em que ninguém se revê. Ou seja, se o “remédio” não for entendido e aceite pelo “doente” e pela sua “família” é provável que não produza efeito porque este começa a rejeitá-lo, acabando por mudar de “médico” nem que seja para cair nas mãos de um “curandeiro”. Cada vez mais as políticas públicas precisam de assentar no compromisso daqueles de quem está dependente o seu sucesso.
Nos últimos vinte anos as políticas educativas têm vagueado entre o “fazer” e o seu “desfazer”, mas reconheça-se que em muitos domínios estruturantes do sistema de ensino a alternância partidária nem sempre se traduziu na ruptura dessas políticas. Mais grave é a presente febre da reversão irrefletida de tudo o que foi “tecido” durante o dia e que teve oportunidade de contribuir para um progresso indesmentível do sistema de ensino nessas duas décadas. Os resultados desse progresso são atestados e reconhecidos internacionalmente e, de alguma forma, Portugal deixa a pouco e pouco de ser conhecido pelas baixas taxas de escolarização, pelo elevado abandono escolar, pelas baixas qualificações da população, pelos modestos resultados dos alunos portugueses nos testes internacionais, entre tantos outros indicadores.
Eu espero que a febre da reversão não atinja esses progressos e quando aliviada a inflamação possa retomar a tecelagem do sudário sem risco de ter de o desfazer pela calada da noite. Não vale a pena esperar por Ulisses, ele só regressa na mitologia grega.
David Justino
Presidente do Conselho Nacional de Educação
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